quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo I - descolorando

olha, o que ele disse sobre você não importa... eu sei, você tem toda razão de ficar zangado... Não, a lata de lixo não tem olhos e tenho certeza que ela está no mesmo lugar... não, nem olhos nem pés. Não! Não, não chame mais seu irmão de sardinha, ele não gosta... Não, não se zangue, sardinha é apenas um peixe...
O menino tem sardas por todo o corpo e o irmão o chama de sardinha. Na verdade o problema nem é meu, mas se continuarem se socando desse jeito, em algum momento um deles se afoga, daí o problema é meu.
O pai não liga se o mais velho espanca o menor e o menor chama o mais velho de sardinha. O importante são as tenras nádegas das outras.
De tudo, muito, vejo do alto de meu banco e através de minha longa lente tubular. O sol na cabeça incomoda um pouco. O couro cabeludo por vezes queima, mas se essa vida não fosse a minha verdadeiramente, não estaria eu, aqui, por longos dezessete anos.
No início, a piscina só era freqüentada por empresários, donas de casa de nariz empinado, montanhas de músculos em fim de jornada diária “alterofilística” e grupos de aposentados discutindo a bolsa. Ainda hoje discutem a bolsa, mas grupos bastante diversificados em sua natureza. No estacionamento, os carros hoje são todos de 97 para baixo. A maioria aqui tem piscina “Tony” na mesma laje batida onde secam as roupas ao vento generoso.
São conveniados à nossa área de lazer os comerciários, os industriários, os metalúrgicos e os que puderem pagar um módico valor mensal que inclui a família à divertida e refrescante possibilidade de se banhar e bronzear.
Sentada, no alto de quatro metros e setenta e cinco centímetros, sou eu e minha luneta de bronze oxidado.
Hoje o movimento está fraco.
As férias terminaram. Crianças retornam as suas rotinas, mães se esbofeteiam na papelaria à procura de melhor preço no material escolar e pais retornam satisfeitos aos seus cargos que, para a felicidade, os deixam a maior parte do tempo, livres de aporrinhações domésticas.
Aos sábados e domingos ainda ferve, mas num dia como hoje, separo uma ou outra briga entre irmãos e preciso advertir uma ou outra mulher sobre o uso de bronzeadores oleosos na beira da piscina... o pior mesmo, é explicar à elas, as mulheres, que algumas coisas não devem ser feitas além das paredes de seus banheiros. Se lambuzar de blondor e água oxigenada, por exemplo.
Me acompanhem! Estou neste exato momento, descendo meus íngremes degraus justamente para uma tarefa destas, por mim há pouco relatadas.
Já estou em solo. Ajeito as extremidades de meu maiô vermelho, prendo minha luneta à cintura, pego minha prancha de salvamento (não importa a função que exerço em determinada situação, todos os aparatos me mantém íntegra, respeitosa e alerta).
O chão está quente, mas minha sola do pé já se adaptou e criou uma casca protetora, que me faz suportar altas temperaturas sem ter de calçar chinelos.
Ao caminhar observo usuários em espreguiçadeiras, crianças na piscina, homens retesando músculos. Meu alvo está há aproximadamente sete metros. Aceno para Sr. Irene, um dos primeiros associados da Piscina Lazer e CIA que está sentado em uma das mesas, debaixo de um guarda-sol, jogando paciência.
Me volto para o alvo. Paro a dois metros e meio e a observo. Afasto minhas pernas ligeiramente e ensaio uma tossida forçada, tentando chamar a atenção do alvo. Nada.
Deitada sob uma toalha colorida, de bruços, bunda esparramada, coxas esparramadas, braços esparramados. Não é ruim ter que advertir, ou chamar a atenção. Isso até que me dá certo prazer. O ruim, ruim mesmo, é ser obrigada a olhar para o alvo, lambuzado de blondor, estatelado como uma omelete mal embrulhada.
Não sei ver sem olhar, sem analisar e observar os mínimos detalhes. Oito segundos para mim são suficientes. Vejo fios mais longos que o resto, saindo pela dobra da bunda, unida à parte superior da perna. Caroços inflamados com emaranhados de pelos grossos e encravados. Uma tatuagem embaçada, uma flor, talvez um dragão. Os pêlos já com as pontas descoloridas, iniciando seu percurso rumo à raiz.
Me aproximo um pouco mais, me curvando. O som está alto. Música-tema da novela das oito nas caixas de som espalhadas por todo o pátio.
Dou a volta para chegar mais perto da cabeça abaixada de meu alvo estatelado. Me agacho – coisa que evito fazer – e cutuco a sua cabeça com meu dedo mindinho.
Está aí! O alvo olhando para mim sem entender por que estou ali atrapalhando seu momento de lazer. Senhora, é proibido utilizar produtos oleosos, espuma, água oxigenada, sabonete, ou qualquer outro produto que prejudique a qualidade da água em nossa piscina, eu disse o mais rápido que pude, com uma vontade enorme de voltar para meu banco alto. Obtive uma resposta resmungada.
Já estou confortável. Aqui em cima o ar parece menos rarefeito... não é silencioso como gostaria, escuto o barulho, as vozes, mas pouco eu compreendo o que estão falando. Geralmente me chamam através de gestos.
Da próxima vez, não haverá alvo que me pegue de surpresa. Não cutuco mais. Chego próxima ao seu ouvido, repito minha frase decorada e saio antes, bem antes de me deparar com um enorme buço “descolorando”...


Leu?
Assista a seguir, filme de trecho do capítulo:

Filme - Capítulo I

5 comentários:

  1. Muito bom, Parabéns!! Espero que seu blog "bombe". Vou recomendar para meus amigos.
    um abraço,

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  2. adorei !! agora toda quinta tem lost e blognovela do banco alto !! obaaaa !! ;-)
    BJs,
    Dani

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  3. gostei do texto... vou acompanhar!
    abs,
    Jks

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  4. Adorei, Alexandra... Boa sorte no blog!!!

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  5. Lelê,
    Adorei! Vou divulgar! Você deixou saudades...
    beijos

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