quarta-feira, 24 de junho de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo XX – Lá vou eu!

se houvesse uma oportunidade para eu mudar de vida... Foram mais de dezessete anos de Piscina Lazer e Cia. Presenciei seus tempos de glória e sua decadência...
Cansei, sabe? Tenho achado um pouco monótono... Eu... o banco alto... minha luneta... Sr Irene... uns buços descolorindo aqui... umas bundas no braço acolá...
Bem, para se conseguir um novo emprego, de preferência melhor que o atual, preciso ter algum amigo influente ou um excelente e recheado de títulos currículo profissional.
Amigos, tenho muito poucos. Influentes, nenhum. A não ser que eu queira um cheeseburguer com porção extra de queijo, sem pagar adicional. Valéria é super influente na cantina do clube.
Disse ao Olavo, assistente administrativo, que precisava pesquisar na internet novas modalidades de salvamento em piscina. Olavo me disponibilizou o pior computador do clube.
A tela treme, o mouse não “rola” e no teclado desdentado, falta o “d” e o “g”.
Estou aqui, frente à esse jurássico PC, tentando começar a escrever meu passaporte para uma vida nova, de preferência, bem longe do Piscina Lazer e Cia.


Formação
E ucação Física – Universi a e Santa Luzia de
Lavrinhas
Experiência Profissional
1992-atual – uar iã de Piscina –
Clube Piscina Lazer e Cia

É. Constato nesse exato momento, que meu currículo não é dos maiores, nem dos melhores, muito menos dos mais recheados de títulos. Sem as teclas “d” e “g” fica realmente complicada a vida de uma “ uar iã de Piscina”! Pesquiso na internet e descubro um tal de “resumo curricular”. Descubro também, que enfiando uma caneta nos buracos do “d” e “g”, consigo o “d” e o “g”.

Resumo curricular
Formada em Educação Física pela Universidade Santa Luzia de Lavrinhas, é Guardiã de piscina do renomado clube Piscina Lazer e Cia desde 1992. Já efetuou diversas limpezas no pátio
ao redor das piscinas, além de ser extremamente habilidosa com a peneira. Foi responsável direta por cerca de nove salvamentos, dentre eles, o de uma senhora robusta e uma boneca pelada e sem um olho. É assídua em seus deveres de Guardiã
de Piscina, é simpática e um pouco parecida com Pamela Anderson (do seriado Bay Watch, sabe?). Maneja com destreza a luneta e o banco alto.

Até que não ficou ruim... Será exagerado o termo “renomado”?... De qualquer forma, ainda acho que falta alguma coisa... um incentivozinho para quem estiver contratando... uma foto, talvez?... Tão inanimado... Penso em alguma coisa mais à minha altura, mais Broadway, mais Anderson, mais tchan!
Um clip de meus melhores momentos como Guardiã! É isso! Me venderei muito melhor se estiver figurada, em movimento e em pleno exercício de minhas funções...

Um amigo de um colega de um primo de um conhecido do afilhado do secretário de segurança da subprefeitura de Leopoldina, indicou, pessoalmente, meu clip-curricular ao secretário. Yupiee!! Adeus Piscina Lazer e Cia! Adeus Sr Irene! Adeus Sr Telles e equipe...

PS: O banco alto e a luneta foram enviados para o Piscinão de Ramos, através de transportadora terrestre, junto à geladeira de laterais não-inox, as calcinhas e os poucos pertences de Sâmela...


Chegamos aqui, ao fim da primeira temporada de
BANCO ALTO E UMA LUNETA
Meus maiores agradecimentos a
Luciene Martes e Marcelo Bravo!

quarta-feira, 17 de junho de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo XIX – mantra do sovaco

Janete é uma picareta! O cabelo alisado da Diva, ficou tricolor após a primeira lavagem. Meriluci está agora com o cabelo tão duro, que se encostar na parede, lasca o reboco. Valéria coitadinha, tem poucos dentes na boca e já tinha “cabelo ruim” como ela mesma dizia. Agora, Valéria da lanchonete está sob a alcunha de Valéria das cavernas... não é preciso nem descrever o que Janete lhe proporcionou... Jorge da portaria estava radiante em seus cinco dias de “Beiçola”. Após lavagem, ficou a cara do Macunaíma no ato de seu nascimento.
Eu, acho bem que fui salva pela boneca caolha. Se não entrasse na piscina logo após a escova pró-regressiva formolife de morango e chutney de litchia, talvez estivesse hoje, careca.
Meus cabelos começaram a cair no dia seguinte à minha tentativa de ser detentora de um liso profundo.
Moro num quartinho emprestado nos fundos de uma lanchonete, tenho uma geladeira cujas laterais não são de inox, minhas pernas e bunda estão cada vez mais flácidas, Sr Irene resolveu nutrir uma paixão por mim (que fique em estado platônico pela eternidade), Ademar só me aparece em sonhos... realmente, só me faltava perder o cabelo!
Não importa o lugar que esteja, se der vontade de número “um”, vou ao banheiro de mãos vazias e tudo bem... mas se a vontade for de número “dois”, aí a coisa é mais complexa. Não sei me concentrar sem uma boa leitura. Um livro, revista, jornal, bula de remédio, rótulo de shampoo, folheto de propaganda, latinha de atum, receita, bíblia, manual de instruções, dicionário, enfim... me agarro a qualquer coisa com palavras que estiver pela frente e vou ao trono.
Numa dessas idas, ainda preocupada com minha queda capilar, peguei de cima do balcão da lanchonete o jornalzinho do bairro. Mais tijolinhos de propaganda que matérias. Entre um anúncio de cartomante e um de mecânico de bicicletas, estava lá... “Faça como o índio caramujocu e acabe de vez com o problema da calvície!”
Saí do banheiro esbaforida, fui até um orelhão, na rua em frente ao Piscina Lazer e Cia e encomendei um kit capilar de raiz de sucuribiuçu, produzido pela caramujocu cosméticos ltda.
A encomenda chegou em 48 horas. Ontem à noite, ao tomar banho, esfreguei abundantemente o tônico por toda a cabeça, deixando escorrer a espuma pelo rosto, axilas...
Fechei os olhos e imaginei caramujocu em pessoa, ensaboando minha cabeça e dizendo: “hoje, moça guardiã é sinead O’Connor, amanhã, moça guardiã será Elba!”
Saí do banho confiante. Fui dormir e sonhei que Ademar se ajoelhava aos pés de meu banco alto e gritava, fazendo ulular seu pomo de Adão: Jogue suas tranças Rapunzel! Ao final do sonho, Ademar enchia Sr Irene de Porrada.
Acordo hoje como todos os dias. Faço xixi, escovo os dentes e... Ôpa!! Quem pôs uma portuguesa do Cais do Porto em meu espelho??
Caramujocu é tão picareta quanto Janete! Não me pareço com Elba... Nenhum fio de cabelo a mais na cabeça e um buço de dar inveja a Charlie Chaplin logo abaixo do nariz...
Estou atrasada! Coloco um lenço na boca e peço a Jorge da portaria que me empreste seu barbeador. Tu tá na moda da novela é?! Tá quase que irmã daquela Maya!, diz ele me entregando uma Gilette pra lá de usada...
O buço já está raspado! Sigo para meu banco alto. Estico meus braços segurando nas barras de ferro que formam a escada e... Carambola! Foi-se uma portuguesa e veio uma hiponga de dar inveja a Janis Joplin! Primeiro pensei que fosse um enorme besouro cabeludo beijando meu sovaco... agora vejo que são cabelos... verdadeiramente meus. Queria que Elba estivesse na cabeça e não nos sovacos.
Sr Telles não pára de me observar. Grudo os braços ao corpo e não levanto por nada. Só desejo que o dia acabe, que caramujocu tome bem lá na última sílaba...
O dia passa e, com medo de esquecer do bicho cabeludo debaixo de meus braços, repito no pensamento sem cessar: "o sovaco é cabeludo, o sovaco é cabeludo...”
Um rapazinho quica a bola no pé, na coxa, no ombro, roda no dedo, faz mil peripécias e... Pega aí!, diz ele me jogando a bola, todo animadinho.
Obviamente, o reflexo do corpo é mais rápido que o mantra “o sovaco é cabeludo”. Levanto os braços e pego a bola com destreza... deixo à mostra, toda minha tristeza...
Se houvesse uma oportunidade para eu mudar de vida...

Leu?
Assista a seguir, filme de trecho do capítulo:

quarta-feira, 10 de junho de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo XVIII – meu liso profundo

“B+” foi a nota conferida a mim na prova de atualização da Associação dos Guardiões de Piscina. Sr Telles torceu o nariz e disse que um “A” seria o satisfatório. Não fui demitida, mas saí do escritório com um bico de fazer inveja à Angelina Jolie. O que é que ele pensa? Que colar é uma tarefa fácil? Que só por que eu tinha todas as respostas estampadas em mini papeizinhos por todo o corpo, sou obrigada a tirar um “A”? Quero ver colar melhor que eu...
Tenho pensado muito em Ademar, pensado em minhas coxas cada vez menos tenras, em minha bunda cada vez mais próxima dos calcanhares, em minha vida sem novidades...
Há uns sete anos, ainda havia diversidade de tipos. Hoje, as mulheres ainda diferem quanto ao peso, cor, circunferência de anca, altura... mas a diversidade já não é a mesma. Uma coisa todas elas tem em comum: o cabelo. Seja ele crespo, cacheado, ondulado, agarradinho ou espevitado, todos tem, atualmente, uma coisa em comum: tornam-se lisos inevitavelmente. Nunca se viu tanta cabeça feminina com cabelo esticado, do couro à ponta.
Tirei “B+” na prova da AGP e garanti meu convívio diário com meu banco alto e minha luneta... assim sendo, acho que mereço um agradinho.
Diva da contabilidade, Meriluci da limpeza, Valéria da lanchonete e até o Jorge da portaria aderiram ao liso profundo.
Janete, uma cabeleireira lá de Padre Miguel, que acaba de abrir um salão pelas redondezas, anda distribuindo panfletos com descontos para funcionários do Piscina lazer e Cia. Chapinha simples, de chocolate e formolife... escova progressiva, gradativa e radioativa... alisamento egípcio, indiano e cuiabano...
Janete foi super simpática e dedicou a mim, sete horas e meia de seu precioso tempo. Lindinha, agora você só volta daqui a cinqüenta dias para retoque... não esquece, precisa ficar cinco dias sem lavar, nem molhar os cabelo... cloro, tu passa longe! Vento, poeira, sereno, calor excessivo, sol, nuvens esparsas, som alto, vibrações negativas e queijo coalho, também precisam ser evitados., disse minha atual melhor amiga.
Saí de lá sentindo que meu futuro, daqui para frente, seria realmente promissor. Sentia que aquele liso profundo extremamente “formolizado”, seria capaz de mudar minha vida.
Disse ao Sr Telles que precisava tirar segunda via de meu documento de identidade, por isso, faltei uma manhã inteira de trabalho... voltei agora e não há como inventar outra desculpa para não subir em meu banco alto e exercer minha tarefa diária.
Estou aqui em cima. Observo a tudo sem movimentos bruscos. Me movimento o menos possível. Os fios de meu cabelo parecem estar inteiramente unidos, emplastrados e extremamente colados à cabeça, aos ombros e parte do braço.
Todo o cuidado é pouco. Além de parcelas mensais para pagar minha geladeira de laterais não-inox, me comprometo agora, a parcelas mensais para pagar minha escova pró-regressiva formolife de morango e chutney de litchia. Janete disse que meus cabelos não precisavam de nada mais agressivo, já que eram naturalmente quase lisos.
Queijo coalho e sereno estão sendo facilmente evitados no momento. Minha preocupação maior é o sol, o calor excessivo e o vento.
Vigio através das lentes de minha luneta. Dois casais imbecis se divertem com briga de galo... um grupinho de meninas adolescentes discute a intelectualizada e já épica trama de Crepúsculo e Lua Nova ... Harry Potter já é coisa do passado.
Vejo alguma coisa boiando... me parece alguém... uma criança... Guardiã de Piscina aplicada e eficiente que sou! Desço de meu banco alto pronta para o resgate... Tento pensar na bunda de Brad Pitt, num resort em Acapulco e num enorme cheseggsaladonionburger... Apenas coisas positivas. Janete havia me recomendado quanto à vibrações negativas.
Na beira da piscina avisto o alvo. Penso em meu cabelo em estado de liso profundo. Olho para o alvo. Sinto o cheiro de cloro. Era a vida do alvo, ou o liso de meus cabelos...
Me jogo na piscina já deixando que as vibrações negativas “inexorcisáveis” se apoderem de meu corpo. Chego a desejar queijo coalho.
Encontro o alvo. É irritantemente inacreditável que eu tenha destruído, moído, despencado e dizimado meu liso profundo, por uma boneca pelada e sem um olho.

Leu?
Assista a seguir, filme de trecho do capítulo: