quinta-feira, 19 de março de 2009

banco alto e uma luneta - capítulo VI – roubaram meu banco alto

o que é menos odioso? Acordar logo cedo com uma ordem de despejo à sua porta, ou descobrir mais três ramificações de estrias na própria bunda?
Não me parece mesmo uma boa maneira de começar um dia ensolarado... infelizmente, essas duas coisas me pertencem... Pertencem mesmo? Tenho pensado muito no que tenho. Talvez pensado mais no que não tenho.
Chego à conclusão que de meu, meu mesmo, não tenho nada... minto, tenho a geladeira de laterais de não-inox, se conseguir pagar todas as vinte e quatro prestações.
Não tenho casa própria, carro, namorado, peitos de silicone, nem home theater.
Estou eu, neste exato momento, fechando os olhos para não ver e abrindo a boca para não sentir. Um de meus braços segura a mochila e o outro se agarra à barra de ferro do ônibus – que por falar nisso também não é meu, é mais que coletivo! Quase fazendo cócegas na ponta do meu nariz, estão os pêlos do sovaco de um rapazinho magro de camiseta “mamãe sô forte”, cabelos descoloridos e fones nos ouvidos. Fecho os olhos, respiro pela boca e finjo estar num belo e caríssimo resort em Porto de Galinhas. O motorista mal-humorado freia e sou obrigada a abrir os olhos, pois a força brusca me projeta para cima de uma senhora com o dedo mindinho no nariz. Peço desculpas à velhinha e tento voltar para meu posto logo abaixo do sovaco do rapaz. Para meu infortúnio, todas as pessoas que lá estavam, em pé como eu, rapidamente se recolocam e não sobra espaço para mim. Foram exatamente dezoito minutos debruçada sobre a velhinha, que esquecia da minha proximidade e enfiava novamente o dedo no nariz. Em seguida ela lembrava de mim, tirava o dedo e sorria.
Bem, até aqui já contabilizo uma ordem de despejo, três ramificações novas de estrias, um sovaco de adolescente na cara e uma velhinha de rosto colado ao meu tirando meleca com o mindinho.
Ok! Acho que nada mais, além de coisas boas, muito boas podem me acontecer. Estou na porta do Piscina Lazer e Cia. Por enquanto tudo normal. Jorge da portaria passa meu cartão de ponto, me dá o resumo do Big Brother de ontem e olha para minha bunda quando entro... tudo normal.
No vestiário coloco o maiô e o boné. Fico pensando... nada é mesmo meu. Nem um uniforme descente, daqueles estilo “Pamela, de Baywatch”, eu tenho. A verdade é que ninguém aqui se importa comigo. Há anos que sonho com um maiô e boné vermelhos com uma cruz branca no centro... com certeza me concederia maior respeito e faria subir minha auto-estima pelo menos uns três pontos.
Pego minha luneta e verifico que até aqui está tudo tranqüilo. Cumprimento alguns associados, fujo do chato do Sr Irene e... e... cadê meu banco alto? Roubaram meu banco alto! Levaram meu banco alto!!
Me tirem tudo, mas não levem minha luneta e meu banco alto! Eu olho para todos os lados e não acho meu querido e tão fiel banco alto... O que querem de mim? Que eu trabalhe com os pés fincados ao chão?! Eles não entendem, ninguém entende...
Levaram o banco e largaram o guarda-sol... Porcaria de guarda-sol! Chuto-o e penso numa maneira de me manter íntegra, já que até agora me submeti à um despejo, três estrias, um sovaco e um mindinho no nariz...
O mastro! O mastro de luz é alto, certamente alto o suficiente. Me agarro entrelaçando as pernas e os braços no enorme pau de ferro. Calma! Eu era ótima em pau de sebo nas festinhas da escola. Deve ser a luneta que me atrapalha a subir. Ponho a luneta no chão. Tento novamente ainda com mais vigor... Meu Deus! Para onde foram meus músculos? Não subo nem trinta centímetros e escorrego mastro abaixo.
Uma sensação horrível de abandono me toma. Despejo, ramificações, sovaco e mindinho sou capaz de suportar, mas não me tirem o banco alto...
Olho ao redor. Procuro altura em todos os cantos. Telhado, ombro de Sr Irene, caixa d’água, chaminé de lanchonete... cadeiras! Posso empilhar cadeiras!
Empilho cadeiras o mais rápido que posso. Algumas dezenas delas empilhadas. Está alto o suficiente para uma guardiã! Tento escalá-las, mas não consigo. Tento de novo, quase entrando em desespero... percebo que alguns banhistas me observam. A moça de ancas enormes e ombros estreitos faz cara de reprovação enquanto diz alguma coisa no ouvido do marido boboca. Disfarço, por que senão, além de tudo que não tenho, ainda perco meu emprego.
Tento mais uma vez dando o máximo de mim... Não adianta... Dou um bico com o pé nas cadeiras empilhadas e saio enfurecida. Vou para casa, antes que eu contabilize algo além de despejo, estrias, sovaco, mindinho e banco alto roubado... snif!

Leu?
Assista a seguir, filme de trecho do capítulo

4 comentários:

  1. Alexandra,
    Senti vontade de te dizer... Seu bom humor tem um tempero bem gostoso, na medida. Muito bom.
    Obrigada pela distração em forma de pensamentos.
    Parabens!!!
    Carinho,
    Evelyn Torrence

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  2. Hoje eu consegui postar meu comentário!!!!
    Parabéns Lelê! Adoro seu trabalho! Espero ansiosamente pelas postagens de quinta-feira. O texto é ótimo e a interpretação da Luciene também. Me divirto e me identifico (com a geladeira de inox...).
    Bjs
    Bia Rothe Puello

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  3. Ôbrigado Lelê pela oportunidade, participar de um trabalho seu, é uma grande honra.
    Parabéns e Bjs

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  4. Ahahah... agora toda quinta eu tenho diversão garantida.
    Parabéns à autora, à atriz, diretor e ao resto da equipe!
    Abs,
    Gab

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